FRANÇA VAI PROIBIR USO DE CELULARES NAS ESCOLAS A PARTIR DE 2018

PHILIPPE HUGUEN / AFP
Nada mais de jogos, música ou troca de mensagens pelo celular, nem mesmo durante o intervalo das aulas ou no recreio. O ministro francês da Educação, Jean-Michel Blanquer, anunciou nesta semana que o uso de smartphones será totalmente proibido para os alunos do ensino básico a partir do início do próximo ano letivo no país, em setembro de 2018. O assunto gera polêmica e divide opiniões de pais e educadores. VEJA TAMBÉM REPORTAGEM DA Globo News aqui
O uso de celulares nas escolas é cada vez mais comum na França. Mais de oito em cada 10 adolescentes franceses possuem um smartphone, segundo dados do Centro de Pesquisa para Estudo e Observação das Condições de Vida (Credoc, sigla em francês). A tendência começa a ser observada até mesmo na escola primária.
Na teoria, os celulares deveriam ficar dentro das mochilas. Afinal, por lei, o uso de smartphones e tablets já é proibido na França “durante toda a atividade de ensino e nos locais previstos pela regulamentação interna” de cada escola. Mas a regra nem sempre é respeitada. Como conta Denis Adam, secretário nacional do setor de Educação da União dos Sindicatos Autônomos franceses (Unsa), os alunos encontram artifícios para usar os aparelhos nas salas de aula, escondidos dos professores.
Por isso, para ele, proibir o uso dessas tecnologias nas escolas não é a melhor solução. “Primeiro, por uma questão prática. Não vejo como um professor vai conseguir verificar se cada aluno da classe não está utilizando um celular. E, segundo, esse é um fenômeno de sociedade. É mais pertinente acompanhá-lo que proibi-lo”, avalia.
Mais pedagogia, menos proibição
Liliana Moyano, presidente da Associação de Pais e Alunos FCPE, compartilha da mesma opinião. Para ela, é preciso primeiramente que o governo considere ouvir e compreender a parte mais envolvida na proibição, os alunos. “Precisamos de pedagogia para tratar da utilização de aparelhos eletrônicos nas escolas, levando em consideração que os celulares são ferramentas de comunicação, mas também de pesquisa e registro”, preconiza.
A sugestão de Moyano é tratar a questão como “o direito de desconexão dos alunos”, a exemplo da lei trabalhista que entrou em vigor este ano, com o objetivo de respeitar o descanso e o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional dos empregados. “Sabemos qual é o efeito das imposições. Por isso, é preciso que as crianças e adolescentes compreendam que o motivo desta medida é em prol de seu aprendizado, caso contrário, ela não será respeitada”, salienta.
A questão de como colocar em prática a medida também é algo que intriga pais e educadores. Onde ficarão os celulares dos alunos quando eles chegarem nas escolas? O que acontece se caso um celular guardado pela escola for perdido ou roubado? E se um aluno estiver passando por uma situação de urgência e precisar falar com os pais? Essas são algumas das dúvidas ainda não esclarecidas pelo governo, salienta Adam.
“Ontem, devido à passagem da tempestade Ana na França, vários pais tiveram que vir buscar seus filhos mais cedo em algumas escolas. Isso só foi possível porque as crianças puderam avisar os pais através de seus celulares. As escolas, sozinhas, não poderiam fazer isso rapidamente como era preciso naquele momento”, reforça o sindicalista.
Proibição só trará benefícios, afirma especialista
Apesar de toda a polêmica em torno da proibição dos celulares nas escolas, muitos especialistas saúdam a decisão do governo. “Estou muito feliz com esse anúncio. Esperava por ele há muito tempo!”, comemora a médica Anne-Lise Ducanda, especialista em proteção maternal e infantil. Ela trabalha sobre os danos que o uso desenfreado de tecnologias podem causar nas crianças.
A médica não tem dúvidas de que a medida só trará benefícios. “Mesmo que já sejam proibidos nas salas de aula, as crianças utilizam livremente smartphones nos intervalos e nos recreios. Assistem a vídeos violentos de acidentes no trânsito e têm acesso até mesmo à pornografia. É claro que é impossível que tenha um adulto controlando todos os celulares dos alunos todo o tempo”, afirma.
A especialista integra o Coletivo Superexposição às Telas (Cose, sigla em francês), do qual fazem parte associações de profissionais e de pais, para alertar da incidência crescente na França de problemas em consequência da utilização excessiva de ferramentas tecnológicas por crianças. À RFI, Ducanda lembra que as crianças francesas têm cada vez mais acesso a smartphones e tablets. “Os pais acabam aceitando comprar celulares para seus filhos para que eles não sejam socialmente isolados da maioria dos outros alunos nas escolas. O que é contraditório, afinal, as crianças acabam se isolando ao utilizar sem controle todas as redes sociais do momento – Facebook, Snapchat, Instagram, etc”, explica.
Efeitos do uso exagerado de tecnologias
A médica enumera alguns dos efeitos nas crianças do uso exagerado de tecnologias, sejam smartphones, tablets ou até mesmo televisão. Segundo ela, de zero a quatro anos, há um atraso de desenvolvimento sobre as competências motora e de linguagem, problemas de atenção, desenvolvimento de comportamento agressivo e até mesmo autismo virtual. A partir de seis anos, constata-se sobretudo problemas de atenção, concentração e do sono. Depois dessa idade, crianças excessivamente expostas a tecnologias vão desenvolver problemas de raciocínio. “Ficamos muito preocupados quando os professores nos dizem que as crianças não conseguem mais se concentrar e pensar como antes”, diz.
A especialista sugere que, no caso de necessidade permanente de comunicação com os filhos, que os pais comprem celulares antigos, aparelhos que façam apenas ligações e enviem SMS. Ducanda é taxativa: “a recomendação é proibir totalmente as tecnologias com telas de zero a três anos; permitir o acesso de, no máximo, uma hora de três a seis anos e duas horas, de seis a dez anos”.
A principal mensagem que a especialista passa é da “necessidade incontestável” de limitar a exposição das crianças às tecnologias com telas. “Se os pais não conseguem dizer não a seus filhos porque há choro e crise, é simples: proibir totalmente. É preciso que todos tenham consciência de que é mais difícil criar crianças com tecnologias do que sem. Não temos dúvidas de que os alunos que se sairão melhor na escola e terão sucesso na vida são aqueles que passaram menos tempo diantes de telas”, conclui.
RFI
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